Por Márcio Retamero* em 22/07/2011 às 13h50
Escrevo este texto sob forte emoção e dor profunda. Esta dor tem nome: luto. Dados do Grupo Gay da Bahia, colhidos das notícias das seções policiais das mais variadas mídias brasileiras, contam que no primeiro semestre de 2011, 126 vidas foram ceifadas, vítimas da homofobia.
O número é assustador! 126 pessoas tiveram seus sonhos, seus projetos, suas vidas arrancadas delas. 126 famílias enlutadas: mães, pais, irmãos que sofrem a ausência de seus familiares.
"Ouviu-se um clamor em Ramá, pranto, [choro] e grande lamento; era Raquel chorando por seus filhos e inconsolável porque não mais existem." (Mateus 2.18)
A homofobia não assola somente as pessoas LGBT. Toda a sociedade sofre com esta mazela, este câncer. Prova disso é o triste episódio acontecido no interior de São Paulo com um pai e seu filho, que abraçados, foram confundidos com um casal gay e por isso, foram surrados por um grupo de doentes homofóbicos. O pai teve a orelha decepada!
O que mais me entristece é saber que por ai circula um discurso mesquinho e equivocado, que pode ser ouvido inclusive nas bocas de pessoas LGBT: "não aguentamos mais falar de homofobia", "alguma coisa tais pessoas fizeram para serem mortas", "Este discurso sobre homofobia é um retrocesso" etc.
O crime de homofobia sempre é assinado com crueldade, muita crueldade. As marcas nos corpos das vítimas atestam e é uma pena que nossa sensibilidade bem rasa, não tolera a visualização das imagens desses corpos, talvez assim, falaríamos menos besteiras e tomaríamos consciência de uma vez por todas da urgência da questão.
O que está acontecendo em torno do PLC 122/06 deveria causar indignação e levar milhares de pessoas às ruas, não para uma micareta fora de época, mas para um clamor político. Nos últimos anos a militância LGBT lutou para colocar a homofobia na agenda do país e lutou para equiparar a homofobia ao crime do racismo. Somos informados que existe a intenção de um novo projeto de lei, em fase de debates com a senadora Marta Suplicy, a presidência da ABGLT e os senadores da Frente Parlamentar Evangélica. O PLC 122/06, que nas palavras da senadora Marta está "demonizado", seria abandonado, arquivado e um substitutivo seria construído em diálogo com as lideranças fundamentalistas.
Nesses últimos anos o que mais vi foi equívocos em torno do PLC, erros estratégicos, ufanismo, certezas idiotas e muita mentira. De ambos os lados. O diálogo com os evangélicos fundamentalistas já era importante anos atrás e embora muitos tivessem apontado isso lá atrás, eu inclusive, fomos completamente ignorados. Cantava-se sempre a mesma "cantinela" (O Estado é laico!) e enquanto isso crescia a Frente Parlamentar Evangélica Fundamentalista, crescia a população evangélica, enriquecia os líderes deste segmento social, cada vez mais presente na mídia e, enfim, conseguiram ganhar as mentes e os corações do povo do Brasil contra o PLC 122. Aliados políticos de peso como Iara Bernardes e Fátima Cleide colheram derrotas nas urnas por conta da desta bandeira.
A "estratégia" da militância LGBT de ignorar o fundamentalismo religioso foi um tiro no pé. Qual a novidade? Sempre subestimamos nossos inimigos, não é verdade? Para a nossa desgraça.
Hoje nos encontramos nesta altura: certamente o PLC 122/06 será arquivado ou derrotado no plenário do Congresso Nacional (eu prefiro que seja derrotado! O arquivamento não deveria ter o aval da população LGBT!) e um novo projeto será elaborado em diálogo com os parlamentares evangélicos fundamentalistas; este sairá o vencedor. Acontece que este projeto será inócuo, muito aquém do que desejávamos e não suportarei ouvir clamores da militância em torno deste circo, desejando o nosso apoio e mobilização. Não se cuida da casa depois que esta é arrombada, cuida-se antes e não adianta usar agora a questão do diálogo e alianças, pois não somos idiotas. Isso deveria ter acontecido lá atrás e ponto final!
O cenário está ruim demais! Eu peço que não nos calemos! Eu não quero um arremedo de lei e creio que você também não deseja isso. Nós precisamos dizer isso à senadora Marta e ao presidente da ABGLT. Nós não podemos apoiar o arquivamento do PLC 122/06. Nós temos que nos posicionar e eles precisam nos ouvir. Não podem construir um novo projeto sem a nossa efetiva participação, sem nos escutar, sem o amplo apoio do movimento e das pessoas LGBT. Eles não têm essa carta branca. A ABGLT não representa a totalidade da população LGBT no Brasil. Existem outras vozes e vocês tem que nos ouvir!